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segunda-feira, 14 de novembro de 2011

metamorfose

eu sou a lagarta que se recusa a transformar, sou metida dentro de mim, acanhada, vivo num mundo deserto. não nasci para brilhar em frente de uma multidão, sou antes a sombra que desliza solitária no silêncio da noite, sou o tempo, calmo, lento, sou a escuridão, absorta, fria. não preciso de ser olhada, admirada, não sou borboleta, caçadora de atenção no seu bater de asas estonteante, sou a semi-lagarta, numa eterna metamorfose, que foge da luz, do brilho das estrelas, que quer fugir, esconder-se, a quem tentam colocar como que num palco para representar a história da sua vida, mas constantemente traída pela sua própria natureza, pelo frio do seu interior, ofuscada, procura uma forma de se soltar, de caminhar no seu passo arrastado de volta para onde não há luz. sou a fantasia, o mistério de um buraco negro, sou aquela que cativa por não ser, por não estar, sou o nada, sou o tudo, sou o que restou de mim, sou um vazio de alma, o eco longínquo que já ninguém quer ouvir. eu sou aquilo em que tu me tornaste, sou o bicho, sem coração, sem alma, sou aquela a quem tiraste tudo o que tinha e eu ainda assim acreditei. na altura em que ainda amava, tu eras a minha luz, na altura em que ainda sentia, eras a minha perdição, e eu ofereci-te o meu coração, coloquei-o nas tuas mãos, sem medo, mas mal virei as costas, embalada nessa doce ilusão, apunhalaste-me e comeste tudo o que restava dentro de mim, nesse teu jeito canibal, comeste tudo o que conseguiste e depois partiste, tal como um predador larga a carcaça da sua presa após a refeição, e eu fiquei, esvaindo-me em sangue, lutando por sobreviver arrastei-me para a sombra e lá fiquei, medrosa demais para voltar a enfrentar-te. agora estou mais forte, mas não consigo sentir mais, estou destinada a ser a lagarta em metamorfose, aquela que tem medo da luz, a que foge, a que não sente.

1 comentário:

Anónimo disse...

Fantástico... Qual kafka qual quê venha uma nova metamorfose!!

Beijos Doces!