o calor das tuas mãos na minha cintura fazia-me sentir segura, mas a tristeza nos teus olhos gerava em mim uma insegurança contraditória. tu falavas mas eu não te ouvia : navegava arriscadamente num barquinho de papel no belo mar dos teu olhos, disposta a transpor tudo até ao infinito pelo nosso castelo. mas esse castelo não eram mais do que meras cartas empilhadas à pressa, que balançavam à mínima aragem. e do nada, como um vento gélido que corta uma manhã ensolarada de primavera, o castelo ruiu, o barquinho afundou e o meu mundo foi a baixo. tu partiste sem hesitar, não fraquejaste, não olhaste para trás. e eu fiquei caída no chão, junto com as cartas do nosso castelo, destruída, agarrada fugazmente a recordações e memorias na esperança de reconstruir um passado inacabado. mas levantei-me e tranquei a solidão, a tristeza, o desespero e a saudade num quartinho bem fundo do meu coração, escondi-os de todos com medo de parecer fraca, ergui a cabeça e continuei a viver. contudo esses sentimentos foram crescendo e tornaram-se mais fortes, apoderando-se de mim aos poucos subjugaram-me e tiraram-me toda a vontade de crescer, de sorrir, de sonhar. perdi a vontade de viver, a dor cegava-me para o lado bom do mundo, tudo o que via era feio, tudo o que sentia era gelado, não tinha qualquer motivo para me levantar de manhã. subitamente voltei a querer algo. foi tão abrupto e tão inesperado que logo me agarrei a essa esperança. não que fosse algo bom : eu queria morrer. queria deixar de me sentir chacinada de cada vez que via o teu sorriso triste, a dor já se tornara algo insuportável para mim e não tinha mais hipóteses. naquela noite desci à cozinha, peguei na faca do pão e enterrei-a impiedosamente nos meus pulsos. fiquei a ver o sangue vermelho vivo espalhar-se pelo chão da cozinha, reprimindo um grito de dor para não acordar ninguém. mantive o olhar fixo no sangue que manchava as minhas mãos até a consciência me abandonar. no meu ultimo fôlego murmurei : "eu amo-te. foi por ti que morri. espero que sejas feliz agora." e senti o mundo desaparecer para sempre à minha volta.
agora percebo que a minha morte foi em vão. hoje vieste deixar-me flores e choraste em cima da minha campa, por entre soluços entre-cortados disseste : "não queria que fosses. eu amo-te. volta." , e cá no céu uma lágrima rolou pelo meu rosto, indo desfazer-se na Terra, mesmo no lugar do teu coração. agora já é tarde.
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